Criança interior: é possível curar as feridas da infância?
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Você já passou por aquele momento em que fazemos o nosso melhor, mas não conseguimos alcançar nossos objetivos? Percebemos que estamos machucados e que algo está errado, mas não conseguimos encontrar uma explicação.
Segundo a psicóloga Rosa Cukier, todos nós temos uma criança ferida que surgiu na infância. Alguns mais, outros menos, mas o que vivemos quando crianças pode deixar marcas que afetam a nossa maneira de agir nas relações “eu - comigo” e “eu - com o outro” e, mesmo depois de adultos, continuamos com esse formato.
É exatamente nesse momento que precisamos refazer nossos padrões de comportamento e descobrir as partes que, até então, nos ajudaram, mas que agora nos atrapalham.
Aprendemos um padrão de comportamento com nossos pais, família, grupo social, grupo religioso e com nossa sociedade, e seguimos esse padrão de maneira automática, sem perceber.
Nossa tarefa na vida adulta é descobrir e manter o que for bom e modificar o que nos prejudica.
Traumas de infância
Abusos sexuais e violência física deixam traumas, mas não são apenas esses tipos de abuso que são capazes de afetar o nosso comportamento. Os exemplos abaixo também deixam marcas, para além da infância:
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violência psicológica;
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família disfuncional;
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filhos de pais que tenham algum tipo de dependência, como o álcool;
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doenças familiares graves, onde a criança não recebeu toda a atenção necessária;
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crianças que não conseguem ouvir não e têm baixa tolerância à frustração.
O problema é que, quando alcançamos a vida adulta, nossas atitudes continuam sendo guiadas por nossa criança interior e isso pode prejudicar diversas áreas da nossa vida, como relacionamentos amorosos, trabalho e vida social.
Identificando minha criança interior ferida
Ouvir frases ofensivas na infância, como “desse jeito você nunca terá amigos”, “você deveria ser como seu irmão”, “você nunca vai conseguir nada na vida” ou
“você não aprende, você é burro” pode contribuir para o desenvolvimento de um adulto inseguro, que tem medo de se posicionar e de ser criticado.
Por outro lado, quando fazemos a criança acreditar que tudo pode ser do jeito que ela quer, criamos uma realidade que não existe, e fica bem difícil libertá-la disso depois.
Separamos abaixo algumas crianças interiores que podem se manifestar em nossa vida adulta:
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Criança mimada: adultos que querem tudo do seu jeito e, mesmo quando conseguem, aquilo perde a graça.
Na infância: pode ter acreditado que conseguirá sempre o que quer, ou teve pessoas que faziam tudo que ela queria.
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Criança chorona: adulto que, diante das frustrações, a primeira resposta emocional é chorar. Ele age assim em todos os relacionamentos, se expondo também no trabalho e prejudicando a imagem profissional. Muitas vezes, é julgado como imaturo.
Na infância: quando chorava, conseguia o que queria.
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Criança agressiva: age sempre de forma defensiva, sendo agressivo na maioria das vezes, mesmo quando não existe motivo para tal. Vê o mundo como uma ameaça e precisa se defender dele. De modo geral, tem dificuldade de colocar limites nas pessoas porque se culpa por esse comportamento inadequado com o outro, e acaba abrindo mão das suas necessidades. Esse padrão também é comum nos relacionamentos abusivos.
Na infância: pode ter vivido em uma família com brigas constantes e a forma de lidar com os conflitos era com a agressão.
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Criança rejeitada: adulto que, sem perceber, busca relacionamentos nos quais não é aceito, ou acredita que está sendo rejeitado, mesmo quando não está. Vive com a ideia de que as pessoas não gostam dele, por mais demonstração de afeto que receba.
Na infância: pode ter vivenciado situações de rejeição ou algum irmão que recebia mais atenção dos pais.
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Criança negligenciada: adulto com predisposição a viver em função do outro, abandonando suas necessidades. Tem dificuldades de se cuidar e dar atenção para concretizar seus desejos. Costuma ter baixa autoestima e pouco se valoriza.
Na infância: aprendeu que seria valorizada e que receberia reconhecimento se cuidasse do outro ou se fosse muito obediente. Pode ter aprendido que o outro é mais importante. É comum também em famílias que vivem em função de outras pessoas do núcleo familiar.
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Criança medrosa/envergonhada: não consegue lutar por seus sonhos nem enfrentar a vida como adulta, vive praticamente escondida. Se esconde dos seus talentos e da sua força. Ela procura fazer tudo com o máximo de perfeição para não errar.
Na infância: pode ter vivenciado várias situações, em contexto familiar ou escolar, nos quais tentou falar e não foi ouvida. Dessa forma, foi julgada erroneamente, colocada em situações vexatórias e, por vergonha ou medo de acontecer de novo, procurou se fechar.
É importante lembrar que pais e mães são seres humanos, assim como nós. A
maneira como educam e criam os filhos não tem o objetivo de gerar sofrimento, mas fazer o outro sofrer é inevitável nesse processo, em qualquer papel que você esteja exercendo.
O que os pais oferecem é pautado também em suas histórias de vida, que também são carregadas de seus próprios traumas. Acredite: os pais buscam fazer o melhor, de acordo com suas trajetórias.
Quando culpamos nossos pais por nossas dificuldades, perdemos a oportunidade de apropriar-nos da nossa vida e de transformar o que vivemos em escolhas de um caminho autêntico e mais feliz. As escolhas da vida são nossas e não do outro.
Como cuidar da nossa criança interior
Já percebemos que as alegrias e as angústias que vivemos quando criança nos acompanham em nossa vida adulta, afetando quem somos e como lidamos com o outro.
Ter uma criança interior ferida é inevitável e aceitar isso é o primeiro passo para o autocuidado.
Para acolher e cuidar de todas as emoções que vivemos na infância, os três passos abaixo são essenciais:
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Aceitar que nossa criança interior existe e está ferida.
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Identificar as emoções que a deixaram ferida e os comportamentos que essas emoções ainda trazem. Quando nossa resposta emocional é exagerada ou desproporcional para a situação é um bom lugar para analisar. Aqui, é importante estar atento a coisas simples do dia a dia, nas pequenas atitudes, e entender em que momento “passamos do ponto”. Perceber em que momento somos “adultos”, ou estamos agindo com o olhar da nossa “criança”.
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Modificar o comportamento. A mudança é algo gradual, ou seja, não acontece da noite para o dia. São pequenos passos que nos ajudam a chegar onde desejamos. Precisamos subir degrau por degrau e, por vezes, vamos deslizar e voltar alguns degraus e, novamente, voltaremos a subir.
A psicoterapia e os amigos verdadeiros são grandes aliados nesse processo. O apoio e a percepção deles podem ajudá-lo no seu caminhar.
É possível mudar
As crianças feridas não têm consciência do que as prejudicam. Através da percepção do que vivi e de como isso me afeta é possível controlar essas emoções, me libertar desse padrão de comportamento e conquistar uma vida com mais qualidade e autonomia.
É preciso trabalhar para uma transformação, a partir do autoconhecimento, para que o nosso papel seja o de protagonista, ator da nossa própria vida, e não mais o de espectador, que apenas observa o que está acontecendo. É preciso deixarmos o papel de vítima e assumirmos o controle da nossa vida, fazendo nossas próprias escolhas.
O que os seus pais ou a vida fizeram com você não deve definir o restante da sua trajetória. O que importa é o que você fez com o que fizeram com você.
Agora que você conhece suas feridas, o que você decidiu fazer com elas? Eu espero que você escolha apropriar-se delas e escrever uma história que lhe faça sentido.
A vida nos ajuda a lidar com nossas dificuldades, mas o processo de psicoterapia tem o objetivo de agilizar esse processo. Algo que eu demoraria 5 anos para perceber, durante a psicoterapia posso descobrir em 6 meses, e acelerar meu processo de autodesenvolvimento.
Indicação: Livro “Sobrevivência emocional: as dores da infância revividas no drama”, de Rosa Cukier.
Para saber mais sobre o assunto, indico o livro “Sobrevivência emocional: as dores da infância revividas no drama”. Nele, a autora compartilha diversos artigos sobre o tema "borderline".
Com base numa experiência pessoal familiar, a autora desenvolveu um trabalho que abrange a "criança ferida", os processos narcisísticos e os dissociativos. A abordagem é psicodramática, mas se aplica a diversas formas de terapia. Útil e tocante, ele serve tanto ao profissional quanto às pessoas envolvidas com tais pacientes.
Vale a pena a leitura!
“Nenhuma terapia pode mudar os fatos de uma vida, mas pode isso sim, alterar a narrativa dos fatos - e isso talvez seja decisivo.” (C. Caligaris)